sexta-feira, 25 de julho de 2008

Dar a volta ao medo

«As mulheres crescem a ouvir histórias terríveis sobre o parto», afirma Luísa Condeço, doula e co-fundadora da Associação Doulas de Portugal.
«Às vezes, é para alguém exorcizar o seu próprio parto traumático, outras vezes é apenas porque sim, porque faz parte do ritual de passagem.»
Ofélia Moreira, fisioterapeuta com formação na Área da Saúde Materna, acompanha grávidas em sessões de preparação para o nascimento há 11 anos e confirma esta ideia: «As histórias dos partos que correm mal têm muito eco, passam de boca em boca durante muito tempo», afirma. «Um parto que corre bem, e felizmente é o que acontece na maior parte dos casos, não tem eco. Quando as grávidas começam a fazer a preparação para o parto, sente-se muito a importância dessas histórias que trazem consigo, onde se incluem, claro, as experiências de parto das suas mães», conta.
Neste contexto, caracterizado por alguns como de terrorismo psicológico, é frequente que o medo seja o sentimento dominante em relação ao nascimento de um filho.
O medo da dor

A dor é uma sensação muito subjectiva.
E a maneira como a encaramos é decisiva no desenrolar do trabalho de parto. De um modo geral, as mulheres estão à espera da dor, pensam no parto como uma situação em primeiro lugar dolorosa.
O terrorismo psicológico já referido faz da dor o principal ingrediente do parto.
E quando aparecem as primeiras contracções, o cérebro interpreta-as logo como dor, mesmo que ainda dêem apenas um desconforto.O trabalho das doulas passa muito pelo desmistificar de ideias feitas, com a ajuda de evidências científicas, e pela mentalização positiva.
Em relação à dor, «explicamos que a melhor estratégia para enfrentar a dor é encará-la como uma aliada, sempre partindo do princípio que ela pode ou não existir.
É óbvio que não podemos dizer que não vai doer, mas podemos ajudar a grávida a encará-la de uma forma positiva», conta Luísa Condeço.
«Esta dor deve ser a única que não significa que alguma coisa está mal no nosso corpo. Pelo contrário, está dor significa que o nosso corpo está a fazer o seu trabalho.
A dor tem uma função fisiológica, leva a mulher a descontrair-se entre as contracções, a libertar analgésicos naturais e conduz a um estado alterado de consciência.
Isto não acontece se amulher estiver tensa desde o início. Se estiver preocupada em combater a dor, está a enfatizar essa dor.
Se aceitarmos a dor, ela é relativizada e consegue-se descontrair, relaxar entre contracções, contribuindo para uma maior libertação de occitocina», explica Luísa.
«Mostramos também que a natureza é sábia: deu-nos as contracções para nos ajudar, mas também nos deu os intervalos entre elas, para podermos descansar, respirar fundo. Temos de saber aproveitá-los».
Ofélia Moreira corrobora esta ideia, afirmando que há um ciclo vicioso entre três factores: medo-tensão-dor.
«Quando há medo aumenta a tensão, que aumenta a dor. Na preparação para o parto, ajudamos a mulher a ter mais confiança e a não entrar neste cíclo. Se estiver descontraída, a dor fica mais controlada», explica.
«De qualquer forma, penso que o medo da dor começa a não ser o principal medo das grávidas, a não ser que tenham ouvido histórias muito negativas. Com a epidural, penso que o medo da dor se torna secundário», acrescenta.
O medo do desconhecido

O medo do desconhecido é outro dos receios mais referidos pelas grávidas que vão ser mães pela primeira vez.
E não é para menos, uma vez que é grande o desconhecimento em relação ao próprio corpo. A nossa sociedade afastou-nos tanto da natureza, que nos afastou do nosso próprio corpo. «Estamos muito longe do nosso lado mais biológico, mais animal», afirma Luísa. ~
A ignorância das mulheres sobre o seu corpo não ajuda.
Não aprendem a ouvir o seu corpo, não testemunham o nascimento de crianças próximas, só conhecem as histórias terríveis, de modo que o desconhecido faz nascer, muitas vezes, medos infundados», defende.
Por isso, a informação é importante.
Informação objectiva sobre todo o processo, sobre o que se passa no corpo e sobre o que se passa no hospital.
«As mulheres que procuram uma doula querem informação porque sentem que parir não pode ser só sofrimento», afirma Luísa.Diogo Ayres de Campos, director do Serviço de Obstetrícia do Hospital de S. João, no Porto, concorda que o medo da dor e o medo do desconhecido são, hoje, os grandes temores das grávidas.
Por isso, também defende que a preparação é essencial para atenuar o medo: «Já existe hoje, nos hospitais, uma preocupação com os aspectos psicológicos envolvidos no parto e, por isso, há programas de preparação no próprio hospital, que incluem uma visita guiada ao bloco de partos.»
O medo do hospital
Se por um lado o hospital oferece segurança à maior parte das mulheres, por outro pode ser um motivo de angústia, de receios. «Saber que se vai estar em trabalho de parto num ambiente sem privacidade, saber que se vai estar sujeita a procedimentos assutadores é seguramente um motivo para ter medo.
Não acredito que haja uma mulher que não tenha medo de uma episiotomia.
O medo do hospital pode também vir na sequência de um primeiro parto traumático», conta Luísa Condeço.
«Cada vez mais, as mulheres sentem que têm o direito de fazer escolhas.
E é isso que lhes mostramos», acrescenta.Os medos escondidosPara além de todos estes medos muito objectivos, há também medos que têm origem em processo psicológicos complexos, quase sempre inconscientes.
Por exemplo, o medo da morte. O facto de a morte ser hoje muito pouco provável no momento do parto não afastou esse medo. «É uma situação de risco, uma situação limite. Mesmo quando se consegue um estado alterado de consciência, é frequente as mulheres dizerem «vou morrer», conta Luísa Condeço.
Na sua opinião, «o facto de não lidarmos bem com a morte faz com que também não lidemos bem com o nascimento».Mas há outros medos escondidos: a vergonha (que é o medo de perder a compostura); o medo da separação do bebé; a angústia de deixar de ser apenas filha para passar a ser também mãe. «O parto coloca-nos perante nós mesmas. Isso pode ser assustador.
Mas podemos ficar com mais força, se deixarmos vir ao de cima o nosso lado mais primitivo», afirma Luísa Condeço.
O efeito do medo
É concensual que o medo e a expectativa que temos em relação ao parto condiciona a forma como este se desenrola. «Penso que o medo pode condicionar a progressão do trabalho de parto, sim, há algumas evidências nesse sentido.
A explicação fisiológica é que o medo faz subir os níveis da adrenalina, o que faz diminuir os níveis da occitocina, a hormona responsável pelas contracções», explica Diogo Ayres de Campos.Luísa Condeço reforça esta ideia: «O medo faz libertar adrenalina o que pode fazer parar a progressão do trabalho de parto.
Isso gera mais ansiedade e mais medo na mãe e até na equipa médica. Temos de deixar de encarar o parto como um sofrimento do princípio ao fim.»
E conclui: «Precisamos de redescobrir a nossa capacidade inata de parir.»

Tirado do Babyblogs.

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